bolha

Como lidar com bolhas causadas pelos calçados?

Como cuidar e evitar esse problema?

Essa dermatose mecânica em consequência de cargas repetitivas podem ocorrer em pessoas de qualquer idade, muito comum nas pessoas que praticam atividade esportiva e pode afetar até mesmo atletas de alto rendimento.

Entenda

As bolhas são dolorosas, podem restringir a função do pé e deixar o membro com maior risco de infecções. Normalmente a estratégia adotada para minimizar a dor é alterar a marcha e isso altera a biomecânica do membro inferior podendo levar a lesões secundárias (por exemplo, lesões nos joelhos) durante a pratica de atividades prolongadas ou intensivas. 

Frequentemente as bolhas levam as pessoas a pararem de praticar atividade física. 
Além disso as bolhas podem ser porta de entrada para bactérias, levando ao risco de desenvolver complicações como celulite ou sepsis.

A localização mais comum no pé é a do calcanhar.

Como elas surgem?

O estrato córneo, camada mais superior da pele, deve ser espesso o suficiente para resistir às forças friccionais que passam profundamente na epiderme. Na maioria das áreas do corpo essa camada é relativamente fina e as forças friccionais causarão abrasão ou erosão porque toda essa camada mais superficial e parte da epiderme será completamente removida. 

Já nas regiões mais propensas a bolhas, a camada córnea é mais espessa, como por exemplo a palma das mãos e solas dos pés, nas laterais e na ponta dos dedos, a pele é mais firme e vinculada ao tecido mais profundo que não se move livremente. Quando uma fricção é aplicada nessa região, é gerado um movimento diferente entre as camadas da pele causando as forças de cisalhamento que produzem uma fenda pela qual o líquido passa, formando a bolha.

A bolha se forma dependendo da magnitude da força de cisalhamento e do número de ciclos. A medida que a força de cisalhamento local aumenta, menores ciclos são necessários para a formação da bolha. Existe uma força de cisalhamento mínima para a formação da bolha, portanto abaixo desse nível nenhuma bolha é formada independente do número de ciclos.

A fricção vai determinar as forças de cisalhamento na pele. A fricção é a força tangencial que resiste ao movimento de uma superfície contra a outra. A maior força tangencial ocorre quando o movimento inicia entre as duas superfícies. A força é determinada pelo produto entre o coeficiente de fricção estática e a força normal da superfície.  
Portanto a força de cisalhamento da pele pode ser reduzida abaixando seu coeficiente de fricção ou reduzindo a força normal sobre a pele. A força tangencial na pele pode ser reduzida indiretamente reduzindo a fricção em outras interfaces.

O coeficiente de fricção entre a pele e o material em contato é afetado pela umidade da pele, presença de partículas e extensão da lubrificação da pele. 
Com relação a umidade, o coeficiente de fricção é mais baixo quando a pele está muito seca e muito molhada. A pele mais seca ou muito molhada produz menos fricção e portanto menor força de cisalhamento. Muito molhada a fricção reduz por efeito hidrodinâmico ou lubrificação do fluido e quando muito seca a fricção reduz pela esfoliação dos queratinócitos e os debris do estrato córneo vão agindo como um lubrificante seco.

Em termos práticos deve-se fazer esforço para manter a pele seca, pois exposição prolongada a umidade resulta em amolecimento colapso da pele, a maceração. Já a pele úmida é mais susceptível a bolhas.
A temperatura da pele não tem importância na formação pois elas não são queimaduras, porém a bolha se forma mais rapidamente em temperaturas mais altas. 

A formação da bolha ocorre em duas fases, na primeira uma fenda aparece na camada média para a porção superior da da epiderme pois as forças friccionais na pele causam fadiga mecânica entre as células da epiderme resultando em perda das conexões celulares e necrose epidérmica local. Assim é formado o teto da bolha é formado pelas três camadas mais superficiais da epiderme, o estrato córneo, estrato lucidum e estrato granuloso. A separação das camadas intra epidérmicas leva a inflamação local aguda e infiltração da área com fluido que entra na fenda intraepidermal por pressão hemodinâmica . 

Os sinais clínicos são vermelhidão, inchaço, dor, calor com aumento da perfusão daquela área. Esse aumento da circulação sanguínea leva a aumento da temperatura com formação de uma área quente que seria o primeiro indicador da formação da bolha.

Fatores relevantes para a formação de bolhas são:


  1. Calosidades: os calos criam pontos de pressão que aumentam a força de fricção naquele local)
  2. Temperatura da pele: acelera o efeito de sucção de fluido na formação da bolha
  3. Nível de hidratação da pele
  4. Extensão da adaptação da pele: forças repetitivas de cisalhamento resultam no alargamento das fibrilas de colágeno através da produção de novas fibrilas de diâmetro maior com a destruição simultânea das pequenas fibrilas existentes. Na epiderme as células da membrana basal aumentam de tamanho, densidade e velocidade de transporte pela epiderme, aumentando a espessura do estrato córneo. O resultado é um maior volume para a distribuição das forças de cisalhamento e além disso as cálulas mais jovens são mais tolerantes a essa força.
  5. Saúde da epiderme: Por exemplo o impedimento da circulação sanguínea pela nicotina pode comprometer a tolerância da pele às forças de cisalhamento.
  6. O movimento ósseo relativo a camada mais externa da pele contribui para a o cisalhamento na pele. Assim, características da atividade como por exemplo a angulação do solo e a magnitude das forças propulsivas devem ser consideradas. 
  7. Características da biomecânica do movimento como por exemplo uma falta de flexibilidade no tornozelo que teoricamente causa deflexão maior do arco longitudinal do pé em resultado ao encurtamento dos músculos da panturrilha que por sua vez aumenta a pressão no arco plantar aumentando a fricção nessa região.


Como tratar e previnir 

O objetivo do tratamento é reduzir a dor, facilitar a cicatrização da pele, impedir o desenvolvimento de infecção e prevenir a recorrência da bolha.


As bolhas são tratadas pela aspiração precoce do fluido e pela proteção do teto da bolha. 

O melhor tratamento seria aspirar a bolha até 3 vezes em 24 horas preservando seu teto resultando em aderência na base o que permitiria menos desconforto e ainda protegeria a base de infecção secundária.

Estudos sugerem que o epitélio se regenera mais rapidamente com o teto intacto da bolha. Deixar o teto intacto previne a formação de uma crosta mais grossa que agiria como barreira par a migração epitelial retardaria a cicatrização. Portanto, mantenha o teto da bolha e drene o fluido nas primeiras 24h. Quando o teto esta firme na base a dor desaparece. A partir daí deve-se proteger a região até estar reepitelizada com adesivo protetor de bolha, porém colocar uma gaze para o teto da bolha não sair ao retirar o adesivo. Esse protetor previne a região de traumas adicionais. Tempo de cicatrização até duas semanas.


As opções para primeiros socorros durante as competições são curativo pré moldados ou enfaixamentos com fita adesiva. O curativo é elastico, sem tecido e pode ser aplicado em uma peça única. A fita adesiva é de alta resistência a tração e deve ser colocada em faixas sobrepostas. Em um estudo feito para caminhada prolongada foi identificado em competições que o curativo em fixação única tem maior índice de abandono da prova e a bolha apresenta maior tempo para cicatrizar. Ocorrendo então uma preferencia pelas fitas adesivas apesar do tempo ser maior para colocar. A maioria dos atletas cobrem a bolha e param as atividades por alguns dias, porém esse não é o melhor tratamento.


A prevenção da formação de bolhas se baseia na redução da magnitude e numero de ciclos do cisalhamento da pele , e manutenção da saúde da epiderme, alem de desenvolver adaptações para as forças serem melhor toleradas.

As medidas preventivas incluem calçados adequadamente ajustados, deve ter um contraforte firme no calcanhar, ser flexível sobre as articulações metatarsofalangeanas e ter 1/4 de polegada de espaço no final dos dedos até a frente do calçado além de palmilhas antiderrapantes. Palmilhas macias e calçados ajustados corretamente podem efetivamente distribuir as forças por uma superfície reduzindo a força localizada.


Em calçados novos o adesivo protetor pode ajudar. Uma estratégia para calçado novo seria ir aumentando aos poucos o tempo de uso do calçado para ir aumentando a espessura da pele, o que protegeria da formação de bolhas, deverá ser apenas um espessamento da pele sem muito volume. Deve-se considerar as interfaces friccionais entre as superfícies pele-meia, calçado-meia, calçado-chão. Reduzindo a fricção nessas interfaces a força tangencial na pele pode ser reduzida. Reduzindo a fricção nessas outras interfaces a força que agirá na pele pode reduzir. Pessoas com fatores predisponentes a bolhas podem usar dois pares de meias, com uma meia fina seguida pela meia esportiva, o que coloca o ponto de força friccional entre as duas meias. Ou ainda utilizar meias baixa fricção e absorção de umidade.


Usar produtos para manter a pele mais seca como talcos que podem ajudar a prevenir as bolhas. Antitranspirantes ou talcos por 5 dias de uso consecutivo reduz o acúmulo de suor e usar pelo menos 3 dias antes de caminhadas prolongadas o antitranspirante reduz risco de formação de bolha. Entretanto deve-se considerar que ele pode causar irritação na pele. Lubrificantes de pele podem reduzir o coeficiente de fricção prevenindo o surgimento de bolhas, porém não por longos períodos, sendo necessária sua reaplicação mesmo os de maior qualidade. O coeficiente de fricção aumenta acima da linha de base em aproximadamente uma hora pois suas propriedades oclusivas resultam em aumento da umidade da pele. 


O treinamento para prevenir a deterioração do movimento com o cansaço durante a prática esportiva e manutenção da flexibilidade também é importante. A remoção de calos deve ser feita para reduzir áreas de alta pressão.Deve-se realizar ainda o corte apropriado das unhas corte apropriado das unhas e observar se não há partículas dentro do calçado ou meia que possam alterar a fricção no local.

Fita protetora com baixo coeficiente de fricção ou curativos / adesivos protetores na pele em regiões de alta pressão nas regiões onde mais aparecem bolhas, por exemplo, nos dedos, calcanhar e antepé e em regiões nos calçados para reduzir fricção.


Alterações biomecânicas do pé requerem correção do defeito subjacente . Por exemplo deformidade dos dedos podem causar bolhas frequentes na região dorsal e a melhor solução é corrigir os dedos, caso não seja possível deverá usar um acolchoamento protetor.Tem pessoas que desenvolvem bolhas nas mãos e pés mesmo realizando todas as medidas preventivas, devido a uma condição genética chamada síndrome de Weber-Cockayne (herança autossômica dominante) e devem ser direcionadas a atividades com menor fricção como ciclismo ou natação.


Espero que consiga evitar suas bolhas e que sua permanência nas atividades esportivas esteja garantida!


Texto: Dra. Raffaela Carneiro  CRM 148499

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